
Os ganhos inesperados do gás há muito esperados por Moçambique estão prestes a concretizar-se com o anúncio, no sábado, do levantamento do caso de força maior que suspendeu o gigante projeto liderado pela TotalEnergies após um sangrento ataque jihadista em 2021.
Este investimento de 20 mil milhões de dólares do consórcio Mozambique LNG, do qual a TotalEnergies é o maior accionista (26,5%) e gestora do projecto, deverá fazer deste país da África Austral, um dos mais pobres do mundo, um grande player no gás.
Um documento publicado online na primavera pela Mozambique LNG projectava as primeiras entregas “quatro anos após o seu reinício”.
– Reservas colossais –
Paradoxalmente, o país africano mais vulnerável às alterações climáticas – de acordo com o Índice de Risco Mundial de 2023 – tem gigantescas reservas de gás natural detectadas no início da década de 2010 ao largo da costa da província de Cabo Delgado (norte), na bacia do Rovuma.
O início da corrida aos projectos moçambicanos de produção de gás e gás natural liquefeito, descritos como “bombas climáticas” pelo colectivo “Diga Não ao Gás”, reunido em torno da ONG local Justiça Ambiental.
O Banco Africano de Desenvolvimento cita reservas de mais de 5 biliões de metros cúbicos de gás. “O suficiente para abastecer a Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália durante quase 20 anos”, escreveu ela em 2018.
– Vários projetos multinacionais –
O site flutuante offshore do grupo italiano ENI em Coral Sul, cuja construção de uma réplica mais a norte foi formalizada no início do mês, começou a produzir no final de 2022, representando o equivalente a um quarto da capacidade de produção da TotalEnergies.
Por fim, um terceiro projecto, o Rovuma LNG, com capacidade ainda maior e liderado pela americana ExxonMobil deverá receber a sua decisão final de investimento no próximo ano, último passo antes da sua implementação, segundo o presidente moçambicano. O Major Houston associou-o ao levantamento do caso de força maior do GNL da Moçambique.
Estes projectos “poderiam tornar Moçambique um dos dez maiores produtores globais (de gás, nota do editor), contribuindo para 20% da produção africana até 2040”, de acordo com um relatório de 2024 da Deloitte.
O projecto TotalEnergies – tal como o da ExxonMobil – inclui instalações de liquefacção onshore para transformar o gás em estado líquido e assim poder transportá-lo por via marítima.
– Insurgência jihadista e justiça apreendidas –
Uma insurgência jihadista tem devastado o norte de Moçambique desde 2017. No seu episódio mais notável, em Março de 2021, o grupo local afiliado à organização Estado Islâmico pilhou durante vários dias Palma, a cidade vizinha do local, e causou inúmeras vítimas.
A ONG Acled, que coleta dados sobre conflitos, contabilizou 801 mortes no ataque.
Foi aberta uma investigação judicial em França por homicídio culposo contra a TotalEnergies, na sequência de denúncias de sobreviventes e familiares de vítimas de subcontratados. Eles criticam o grupo por não ter garantido a sua segurança.
Os soldados moçambicanos responsáveis pela protecção do local de gás durante este período também foram acusados de abusos fatais contra aldeões em depoimentos recolhidos pelo meio de comunicação Politico. A justiça moçambicana e a Comissão de Direitos Humanos de Moçambique abriram uma investigação. A TotalEnergies enfatizou que “solicitou” essas investigações.
Desde o início da insurreição em 2017, mais de 6.200 mortes foram contabilizadas pela Acled.
– Intervenção ruandesa financiada pela UE –
Confrontados com a incapacidade do grupo paramilitar russo Wagner de conter os insurgentes, soldados ruandeses foram destacados em 2021.
A União Europeia renovou este ano o financiamento para esta operação, apesar do envolvimento do Ruanda no conflito no leste da República Democrática do Congo. Bruxelas está a tentar diversificar os seus fornecimentos para limitar a sua dependência do gás russo.
Mais de 200 mil pessoas foram deslocadas por ataques menos mortais, mas ainda frequentes, desde o início do ano, segundo a ONU, metade delas desde o final de setembro.
Três meses de acalorada contestação sobre os resultados das eleições gerais de Outubro de 2024, marcadas por irregularidades, também atrasaram a retoma do projecto.
– Milagre ou miragem? –
O crescimento de Moçambique “deverá acelerar acentuadamente para atingir os 10% em 2028 e 2029, quando o primeiro projecto onshore iniciar a produção”, estimou o Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano passado. Um salto espetacular para um país com crescimento estimado em 2,5% em 2025 pelo FMI.
O projecto TotalEnergies deverá criar apenas 5.000 empregos locais no pico da construção, de acordo com o consórcio Mozambique LNG.
As consequências deste “Eldorelgado” dependerão do fundo soberano criado pelas autoridades moçambicanas. Um país onde parte da classe política já se viu envolvida num escândalo de desvio de fundos emprestados ilegalmente por empresas públicas.