
Além das tropas russas, a febre paratifóide e a febre recorrente acompanharam o Grande Exército de Napoleão durante sua retirada da Rússia em 1812, de acordo com um estudo do Instituto Pasteur.
Para chegar a esta conclusão, os investigadores analisaram os dentes de soldados do Grande Armée, encontrados numa vala comum na Lituânia.
Corria o mês de junho de 1812 quando Napoleão partiu para conquistar o Império Russo, à frente do seu Grande Armée, uma força monumental de 600 mil homens de todas as províncias do Império Francês e dos estados aliados.
Seis meses depois, restavam apenas algumas dezenas de milhares de pessoas para chegar a Vilnius, na Lituânia, no final de uma infame retirada.
E foi em 2001, durante um projecto de planeamento urbano em Vilnius, que uma sepultura onde jazem cerca de 3.000 corpos, identificados como soldados da Grande Armée, foi desenterrada durante uma campanha de escavações liderada por Michel Signoli, da Universidade de Aix-Marseille.
Em 2006, os restos mortais destes soldados já tinham revelado alguns segredos através de testes PCR, nomeadamente o facto de o tifo ter afectado alguns deles, bem como a “febre das trincheiras”, causada pela bactéria Bartonella Quintana.
“Eu sabia que restavam 13 dentes para analisar, cada um pertencente a um soldado diferente”, disse à AFP Rémi Barbieri, pós-doutorado na Unidade de Paleogenômica Microbiana do Instituto Pasteur e primeiro autor do estudo publicado sexta-feira pela revista Current Biology.
Com o avanço das novas tecnologias genômicas, Rémi Barbieri teve a ideia de continuar as pesquisas, buscando descobrir se outros patógenos poderiam ter atingido os soldados napoleônicos.
Os testes PCR utilizados em 2006 “só nos permitem encontrar o que procuramos. Conseguimos fazer exatamente o contrário. Não visamos absolutamente nada, utilizámos técnicas de sequenciação de nova geração aplicadas a ADN antigo”, explica.
“Quando analisamos a polpa dentária de um dente, analisamos o equivalente a uma gota de sangue”, explica.
– “Sopa de DNA” –
“Cada dente forneceu cerca de 20 milhões de pequenos fragmentos de DNA transcritos em um arquivo de texto”, explica à AFP Nicolás Rascovan, principal autor do estudo e chefe da Unidade de Paleogenômica Microbiana do Instituto Pasteur.
Esses arquivos continham tanto o DNA do soldado em questão, quanto o da contaminação do solo, bactérias ambientais e possíveis patógenos: tudo estava lá “como numa sopa de DNA”, imagem Rémi Barbieri.
“Cada pequeno texto foi então comparado a um banco de dados contendo os genomas de todos os micróbios sequenciados até o momento”, explica Nicolás Rascovan.
No entanto, a tarefa mais difícil foi verificar a autenticidade destes fragmentos de ADN potencialmente portadores de doenças. Após múltiplas etapas de verificação, eles conseguiram reter apenas os fragmentos que poderiam ser inequivocamente atribuídos a um patógeno.
E a confirmação definitiva veio de uma análise de posicionamento filogenético: “Construímos uma árvore filogenética, ou seja, uma árvore genealógica da espécie e tentamos ver entre todos os ramos, todos os clados ou linhagens, onde caiu o genoma da cepa que infectou os soldados”, desenvolve Nicolás Rascovan. “Dessa forma, conseguimos até saber que tipo de cepa os infectou.”
Dos 13 militares analisados, 4 foram positivos para o agente infeccioso Salmonella enterica Paratyphy C (responsável pela febre paratifóide) e 2 para o agente Borrelia recurrentis, responsável pela febre recidivante.
Isto não significa que estes soldados morreram apenas devido a estas patologias.
“É uma combinação de frio, muitas doenças infecciosas, fome, cansaço que pode explicar a sua morte”, sublinha Rémi Barbieri. “Sabemos também, por fontes históricas, que as fileiras do exército napoleónico já eram devastadas por epidemias ainda antes do início da campanha russa. Isto é extremamente interessante porque abrimos um pouco a porta para compreender esta enorme crise sanitária”, concluem os dois investigadores.