
Les Dossiers – Sciences et Avenir: O que significa o conceito de memória coletiva?
Aline Sapateiro: Foi desenvolvido pelo sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945) há apenas cem anos. Ele considerava que a memória individual isolada não poderia existir fora do que chamou de “quadros sociais da memória”, título de seu livro publicado em 1925.
Como os humanos são socializados desde o nascimento, são as crenças compartilhadas e as experiências coletivas de um grupo que moldam o significado das memórias individuais. A memória colectiva refere-se, portanto, a todas as memórias partilhadas pelos membros de um grupo social, e que contribuem para definir a identidade desse grupo, quer as tenhamos vivido ou não: por exemplo, não vivi a Segunda Guerra Mundial, mas faz parte da minha memória colectiva.
Mais tarde, sob a influência – entre outros – do historiador Pierre Nora, a definição foi alargada à representação do passado adoptada por um grupo social e ao que este escolhe para tornar património: lugares de memória, desde comemorações a estátuas e nomes de ruas…
“A memória coletiva está menos interessada na verdade do que na representação do passado”
Les Dossiers – Sciences et Avenir: A memória coletiva não é, portanto, História?
A história concentra-se nos fatos e tenta manter uma distância objetiva para descrever e explicar eventos passados. A memória coletiva está menos interessada na verdade do que na representação do passado adotada por um grupo social para criar ou manter a sua identidade. Também ajuda a definir os aliados deste grupo, bem como os seus inimigos. Isto é óbvio, por exemplo, no conflito israelo-palestiniano. Dito isto, as fronteiras entre a História e a memória colectiva são porosas, porque uma não existe sem a outra.
Les Dossiers – Sciences et Avenir: Como definir memória autobiográfica ou individual?
É a memória ligada ao eu. Durante muito tempo, colocamos apenas o passado, memórias pessoais e conhecimentos. Cada vez mais, estamos a alargar esta noção, nomeadamente aos elementos familiares e intergeracionais, às memórias vicárias, ou seja, aquelas de acontecimentos que não vivemos, mas que aconteceram a entes queridos, pais ou amigos próximos, e que podem ter impacto na auto-representação. Por exemplo, ter um avô que foi combatente da resistência durante a Segunda Guerra Mundial influencia a maneira como você se vê.
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“Para o indivíduo, lembrar do seu passado ajuda você a saber quem você é”
Os Dossiês – Ciências e o Futuro: Como se encaixam essas duas memórias?
Têm funções comuns: para o indivíduo, relembrar o passado ajuda a saber quem é e, portanto, a imaginar um futuro. Coletivamente também: quando um grupo decide recordar um determinado passado, é porque isso contribui para preservar uma identidade positiva do grupo e para considerar o futuro coletivo. Obviamente, não são independentes: conceituo esse elo na forma de uma ampulheta que pode ser virada.
No topo, o coletivo (contextos históricos, políticos, sociais, culturais, crenças e percepções predominantes, etc.); na parte inferior, o indivíduo (experiência pessoal e crenças, etc.). E no meio, a família que desempenha um papel de filtro, de ponto de encontro entre a História oficial e a história vivida (privada, íntima). Cada grão de areia – cada memória recolhida – tem um impacto no indivíduo. Mas a ampulheta também pode ser invertida, porque são os indivíduos – e não os grupos a que pertencem – que recordam, e é o peso das suas memórias que influencia a forma como a História e as sociedades representam o passado.